domingo, 1 de junho de 2008

Em Interiores

Duas visões de um mesmo fato ou como somos etnocêntricos
Por Danilo Reis Olhando lá para baixo, de dentro do meu carro, via umas casinhas rústicas. Elas ficavam bem afastadas da pista da Estrada Velha do Aeroporto, quase que escondidas. Nunca pude prestar muita atenção, pois sempre passava por ali com pressa. Um dia, não sei bem o porquê, o trânsito estava lento. Acho que há um vírus do engarrafamento circulando por Salvador. Com o carro quase parado, pude observar aquelas casinhas com mais cuidado e, por algum motivo, aquilo chamou minha atenção. Senti uma vontade imensa de ir até ali, ver de perto aquelas casas.
Estive lá alguns dias depois e logo de início percebi que se tratava de um local bastante precário. O acesso àquelas casas era de terra. Como havia chovido no dia anterior, a terra virara lama. Meu carro quase ficou atolado. Quando consegui me aproximar de fato, percebi que eram diversas casas, onde moravam mais pessoas que imaginara. Os moradores me receberam bem, os mais velhos um pouco desconfiados, as crianças alegres. Pareciam se comportar como se fossem índios e eu um colonizador português. Fiquei um pouco receoso no início, mas logo percebi que eles estavam com mais medo de mim que eu deles.
Conversei com algumas pessoas de lá, tirei fotos, enfim, tentei me inteirar ao ambiente. Fiquei sabendo que muitos nunca haviam saído de lá e que alguns nunca haviam visto antes um automóvel de perto. Eles vivem em condições desumanas. Não têm água encanada, esgoto e nem eletricidade! E ainda moram no meio do mato! Não sei como eles conseguem viver. Eu por exemplo, tenho tanta coisa, mas preciso de muitas outras. Não tenho ainda uma TV de plasma. Meu notebook já está defasado e meu carro já tem quatro anos! Fiquei revoltado. Onde vai parar o nosso dinheiro? Para que pagamos tantos impostos? Constatei que eles não têm o mínimo acesso à cultura e à educação. Nunca foram a um shopping! São cidadãos que vivem completamente à margem da sociedade.
Saí de lá extremamente inconformado e pensando nas boas histórias que poderia contar aos meus amigos. Tentaria também mobilizá-los para mudar aquela realidade. Meus pensamentos se concentravam nisso, quando meu celular tocou e a conversa me fez voltar à minha complicada realidade. Nunca mais parei para pensar naquelas pessoas. Lá em cima vejo a pista e carros passando. As pessoas parecem sempre apressadas e indo a algum lugar importante. Sempre quis saber o motivo de tanta correria, mas eu é que não ia lá perguntar. Um dia, um cara desceu e veio falar com a gente. Eu não sei porque ele fez isso. Ninguém vem aqui. Eu pensei até que fosse político, mas eles também nunca vêm e eu não voto. Mas, o cara não pediu nada, só ficou interrogando a gente. Eu fiquei meio assim com ele, mas depois vi que ele era só meio maluco mesmo. Ele realmente era um cara estranho. Já começa que ele veio de carro. Eu acho que ninguém disse a ele que aqui se anda a pé, a cavalo, de burro ou de jegue.
Conversar com ele era meio difícil. Não dava para saber quando ele falava comigo ou com uma outra pessoa, não sei onde, por um aparelho enfiado dentro da orelha dele. À medida que contávamos como vivíamos, ele fazia uma cara de quem estava com prisão de ventre. Eu até agora não entendi porque ele tirava tanta foto. E ele realmente parecia achar algo interessante alguns de nós nunca terem saído daqui. Será que ele não entendeu que se alguém quiser sair é só ir andando pelo mesmo lugar de onde ele veio? Ele me pareceu meio bobo, mas acho que ele ficou assim por causa daquela meia dúzia de equipamentos que ele carregava e que piscavam e tocavam músicas chatas. Teve uma hora em que ele perguntou se eu já tinha ido num shopping. Eu disse que não. Ele fez uma cara estranha e me perguntou de novo a mesma coisa. Eu ia perguntar a ele o que tinha de tão interessante lá, mas ele parecia achar importante esse tal de shopping e eu não quis ser mal-educado. Ele parecia incomodado com a mata em volta da gente, mas acho que ele gostou de ver a gente pescando no rio daqui. Para mim é algo tão comum que não sei qual é a graça. Eu até ia chamar ele para almoçar, mas achei que ele não ia querer. Depois de um tempo, ele foi embora e nunca mais voltou.
Não sei qual o melhor lugar, se é aqui ou onde ele mora. Eu achei é que ele não gostou muito daqui não. E acho que eu também não ia gostar do lugar dele. As pessoas parecem só ter tempo de não ter tempo. Mas, o que eu sei é que gosto daqui de Manoel da Tábua. Não que não me falte nada, mas graças a Deus tenho o principal: minha saúde e o amor da minha família. E isso ele também deve ter, né? voltar

sexta-feira, 23 de maio de 2008

A polêmica das estações

Antonio Pereira, um senhor beirando os 60 anos, é o administrador da Estação Iguatemi desde 1998. É subordinado à Superintendência de Transporte Público (STP, entidade ligada à prefeitura, que gerencia as estações de transbordo da cidade). Ele deu o seu parecer a respeito da presença dos baleiros nas estações.
- Os baleiros têm permissão para vender apenas nos ônibus, não nas estações. A presença deles nas estações é irregular. Porém, não podemos atuar contra eles, pois não temos efetivo suficiente para isso. Dispomos apenas de três seguranças para cuidar das instalações. Os baleiros atrapalham o trânsito dos usuários das estações.
Nesse mesmo dia, encontrei o fiscal da Secretaria Municipal de Serviços Públicos (SESP, outro órgão da prefeitura que atua nas estações), Fernando Souza. Ele garantiu que o trabalho de fiscalização serve para evitar acidentes com os pedestres.
- Não queremos proibir, mas só queremos que os baleiros trabalhem em locais seguros, cumprindo a lei.
As polêmicas não param por aí. A prefeitura liberou o cadastramento de apenas mil baleiros, sobre a alegação de que há somente 2 mil ônibus circulando na cidade.
- Não consegui me cadastrar ainda. Dizem que a prefeitura suspendeu o cadastramento, pois já tem mil baleiros inscritos. Acho que tá havendo enrolação. Eles só colocam os conhecidos. Ainda não tenho dificuldades, pois pago a minha passagem. Se não fosse isso, os motoristas me barrariam!
O baleiro Antônio Gilson, comentou esta situação devido ao fato que a Unibal enviou um ofício para as empresas de ônibus, solicitando que os motoristas não permitissem a entrada de baleiros sem crachá e colete. Mas, toda essa burocracia não impede que os baleiros continuem criando as suas expressões, jargões e entonações particulares, para a publicidade de seus produtos.

Desenhos: Carlos Eduardo Freitas Voltar

Legalização dos baleiros

Existe atualmente uma satisfação dos baleiros em exercer essa “profissão”. Desde 2005 a prefeitura de Salvador viabilizou o cadastramento desses vendedores de bala. Esta ação teve a finalidade de dar acesso livre para eles venderem seus produtos nos ônibus da cidade. A decisão foi tomada após sucessivas manifestações dos baleiros. Eles se uniram para reivindicarem a legalização dessa atividade.
O baleiro Luciano Santos Bahia há 10 anos trabalha neste ramo, ele é um dos diretores da União dos Baleiros do Estado da Bahia – Unibal (sindicato formado para servir como representante legal dos vendedores de bala). Luciano fez questão de me explicar toda a situação dessa classe. Eu o encontrei numa das estações de transbordo de Salvador, a do Iguatemi. Essas estações viraram uma espécie de base para os baleiros. O ponto de chegada para o início do trabalho (geralmente começa às 8h da manhã), e de término do “expediente” (entre 18h e 19:30. De segunda a sábado).
- Nós fizemos passeatas, manifestações, fomos à Varella (apresentador de um famigerado programa jornalístico local). Três a quatro meses depois, a prefeitura aceitou a nossa proposta. A Unibal, que fica no bairro de Pernambués, nas proximidades da Madeireira Brotas, é responsável pelo cadastramento dos baleiros. No ato da inscrição, cada vendedor paga uma taxa de R$ 10 e recebe uma guia, um colete e um crachá, que nos permite entrar nos ônibus sem que o motorista bata a porta em nossa cara! Depois, os baleiros cadastrados pagam R$ 5, mensal, para a manutenção do sindicato.
Apesar desse benefício os baleiros pretendem continuar lutando.
- Lutamos para esta medida se estabelecer. O nosso sonho é que baleiro se torne uma profissão formal. Desabafou Luciano.

Desenhos: Carlos Eduardo Freitas

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